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Resumo

O uso do peróxido de hidrogênio ou água oxigenada na boca, objetivando-se o clareamento dentário, deve ser feito diretamente pelo profissional da Odontologia treinado para proteger a mucosa bucal, e outras, do contato. O tempo e a forma de uso requerem cuidados para proteger ou diminuir ao mínimo os efeitos indesejáveis sobre os tecidos dentários. Na internet vários sites ensinam, passo a passo, como adquirir e preparar água oxigenada para fazer bochechos com a finalidade antisséptica e, ao mesmo tempo, para limpar e clarear os dentes. Alguns sites se referem ao profissional da Odontologia como um “explorador”, por não ensinar isso ao paciente unicamente visando obter lucros financeiros. Nesse artigo, procuraremos informar e dar fundamentos para que os profissionais da Odontologia e auxiliares possam embasar suas reflexões, opiniões e condutas relacionadas ao tema “uso indiscriminado e livre de peróxido de hidrogênio na boca, sobre os dentes e mucosa bucal”. Os sitesblogs e perfis em redes sociais que estão indicando isso deveriam ser acionados imediatamente pelas autoridades públicas! Deveriam ser notificados judicialmente pelos crimes que estão cometendo contra a saúde das pessoas, abusando da fé pública.

À medida que os dentes são preservados em sua integridade, como resultado da prevenção da cárie e da doença periodontal, ambas relacionadas à placa dentobacteriana, maior será a sutileza ou delicadeza das preocupações dos pacientes.

A cor e a forma dos dentes passam a ser preocupações predominantes, assim como sua posição na arcada dentária e a harmonia com o sorriso, a simetria, lamelas, pequenas fraturas e as perdas de estrutura por atrição, abrasão, abfração e erosão. A estética está cada vez mais valorizada e cada detalhe representa um diferencial no mundo competitivo. Os procedimentos e os produtos estéticos são muitos e extremamente divulgados, aplicados e negociados.

Os produtos, para serem considerados cosméticos, não são tratamentos e não podem alterar a fisiologia corporal. Os clareadores não deveriam ser comercializados como cosméticos, pois alteram a fisiologia de onde se propõem a atuar, como o esmalte, dentina, polpa, gengiva e mucosa bucal. O uso de gel clareador sem acompanhamento pode causar hipersensibilidade e manchas nos dentes

Várias entidades de Odontologia, em reunião com a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), solicitaram levar à consulta pública a proposta de criação de uma resolução para regular a comercialização de agentes clareadores, para que passem a ser vendidos somente com apresentação de receita, visto que os agentes clareadores não se encaixam na classificação de cosméticos: são, verdadeiramente, medicamentos. As entidades referidas são Conselho Regional de Odontologia de São Paulo; Associação Paulista de Cirurgiões-Dentistas (APCD Central); representantes da Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos, Odontológicos, Hospitalares e de Laboratórios e da indústria odontológica produtora de clareadores.

As mudanças propostas envolvem regulamentar e adotar critérios para embalagem, rotulagem, dispensa e controle de agentes clareadores dentários classificados como dispositivos médicos. Poderão ser vendidos somente mediante prescrição emitida por cirurgião-dentista e sob sua supervisão, com obrigação de retenção de receita, como acontece com os antibióticos. A utilização dos clareadores na categoria de dispositivos médicos leva-os, na embalagem do produto, a apresentar a tarja vermelha. A resolução inclui a comercialização das tiras e o uso de produtos ou agentes clareadores de forma que o produto possa ser adquirido apenas em farmácias, ou pela web, com receita.

Por que esse artigo? 

Na internet vários sites indicam e ensinam, passo a passo, incluindo-se vídeos, como adquirir e preparar água oxigenada para fazer bochechos com a finalidade da solução atuar como antisséptico e, ao mesmo tempo, limpar e clarear os dentes. Esses sites, inclusive, se referem ao profissional da Odontologia como um “explorador”, por não ensinar isso ao paciente, unicamente visando obter lucros financeiros. Nesse artigo, procuraremos informar e dar fundamentos para que os profissionais da Odontologia e auxiliares possam embasar suas reflexões, opiniões e condutas relacionadas ao tema “uso indiscriminado e livre de peróxido de hidrogênio na boca, sobre os dentes e mucosa bucal”.

Se cuidados com o clareamento dentário são necessários, imaginem com bochechos diários!

Sempre vale ressaltar que os clareadores dentários têm por base a ação do peróxido de hidrogênio no momento que atuam nos tecidos dentários. Sua concentração, forma de apresentação, embalagem, fórmula química, quando embalado, e outras variáveis resultam na geração do peróxido de hidrogênio.

Também conhecido por vários outros nomes, como peróxido de ureia, perborato de sódio, peróxido de carbamida e, ainda, outros menos comuns, o peróxido de hidrogênio pode ter efeitos deletérios sobre o esmalte, dentina, cemento, polpa e gengiva. No entanto, uma vez controlado e aplicado seguindo-se critérios corretos, e adotando-se medidas compensadoras por parte do profissional, o seu uso pode ser seguro.

Além de atuar sobre os tecidos dentários duros e moles, e sobre a mucosa bucal, o peróxido de hidrogênio potencializa –— na qualidade de promotor na carcinogênese bucal química — o efeito de outros agentes carcinógenos presentes diariamente na boca dos pacientes, advindos de pesticidas, herbicidas, alimentos, tabaco, álcool, vírus e muitos outros.

Um profissional da saúde não deve aplicar ou indicar produtos clareadores dentários com essas características sobre a mucosa bucal, a não ser que adote medidas preventivas que impeçam o seu contato com as partes moles. As barreiras resinosas protetoras e/ou outras formas de isolamento podem proteger a mucosa bucal e impedir que o paciente engula o clareador, além de proteger a frágil região cervical do dente, na qual janelas de dentina podem estar presentes.

O uso de clareadores dentários por parte dos pacientes, em suas casas, não permite que essa proteção seja exercida adequadamente, e o contato do peróxido de hidrogênio com a mucosa bucal e outras, como as mucosas faríngeas e todas as demais gastrintestinais, será inevitável (reabsorções). O uso caseiro dos clareadores dentários leva os pacientes a usá-los por tempos maiores e, mais ainda, com muito mais frequência do que se poderia indicar. O uso caseiro pode até “clarear mais” rápida e intensamente, pois é feito sem qualquer controle e/ou restrição.

O clareamento dentário ideal deve ser feita diretamente pelo profissional, e não apenas sob sua supervisão. As demais pessoas não profissionais, como auxiliares e os pacientes, não têm treinamento e conhecimento ou conscientização para, por exemplo, remover com o sugador toda resquício do produto antes que se retire o isolamento e depois, e apenas depois, se jogue água na boca do paciente.

O potencial promotor na carcinogênese por parte dos clareadores dentários ocorre em todo o trato gastrintestinal1,7. Em bochechos diários com água oxigenada, imaginem os danos em potencial, ao longo de todas as mucosas gastrintestinais, várias vezes ao dia.

Sobre os bochechos com água oxigenada e o clareamento dentário 

Para matar as bactérias, nossas células as englobam em vacúolos intracitoplasmáticos, tal como câmaras de extermínio, e jogam substâncias poderosas — como enzimas, soluções cloradas e peróxido de hidrogênio, vulgarmente também conhecido como água oxigenada. As células apenas jogam esses produtos quando certificam-se de que as paredes vacuolares estão preservadas, pois, se houver alguma lesão nessas paredes, a célula morre: água oxigenada e o cloro são letais.

O homem descobriu, há muito tempo, que a água oxigenada dissolve restos de células e tecidos necrosados nas feridas, diminuindo a quantidade de microrganismos, facilitando a ação de antibióticos. Mas isso em situações muito especiais, com concentração adequada e profissional especializado. Recentemente, uma empresa multinacional retirou do mercado um produto antisséptico à base de peróxido de hidrogênio, provavelmente porque as pessoas passaram a usá-lo inadequadamente quanto aos locais, tempo e frequência de aplicação.

As soluções cloradas e à base de peróxido de hidrogênio estão nos armários de nossas casas, mas devem ficar longe de crianças e animais (deve-se informar um telefone para casos de intoxicação e seguir-se as indicações e cuidados de uso). São produtos tóxicos, cáusticos, que podem até matar, se não seguirmos adequadamente as informações dos fabricantes.

Os produtos de limpeza e higiene com água oxigenada e soluções cloradas devem ser utilizados com luvas, mas muitas pessoas preferem manipulá-los com as mãos desprotegidas e, em geral, nada acontece. A pele tem uma proteção superficial grossa e resistente conhecida como queratina. Essa camada é difícil de ser ultrapassada, especialmente nas mãos e pés, por ser mais grossa do que nos demais lugares. Entre as recomendações de cuidado e limitações de uso desses produtos está: proteger-se do contato com mucosas da boca, genital, nasal, ocular e outras. As mucosas não têm a camada de queratina e, quando têm, ela é muito fina.

Na internet algumas pessoas, irresponsavelmente — por ignorância sobre Química, Cosmetologia, Medicina e Odontologia — têm indicado a água oxigenada em bochechos diários, para que diminua os germes da boca e desinflame as gengivas, ao mesmo tempo que deixaria os dentes mais limpos e brancos. Essas pessoas deveriam ser notificadas pelas autoridades competentes e indiciadas judicialmente pelos crimes que estão cometendo contra a saúde das pessoas, abusando da fé pública.

A água oxigenada deixa as mucosas e gengivas vermelhas pela agressão, com início de dissolução tecidual e inflamação. Água oxigenada queima e pode até necrosar as papilas gengivais. Ela deixa os dentes limpinhos, pois desmineraliza o esmalte e também remove as sujeiras e pigmentos aderidos. O esmalte fica mais poroso e o alimento o suja mais ainda, aumentando a necessidade do bochecho. A cada dia, o esmalte erosionado se afina e, se houver restaurações, induz infiltrações na sua interface com o dente, podendo sair com facilidade durante a alimentação.

Se queimar a mucosa e desmineralizar o esmalte fossem os principais problemas, até se poderia pensar em uso com moderação. O problema maior é que a água oxigenada é um agente carcinógeno promotor. Em outras palavras: potencializa o efeito dos indutores de câncer na boca, da garganta, esôfago, estômago e intestino. Pesticidas, produtos do tabaco, álcool, HPV e outros vírus oncogênicos, raios solares e demais químicos dos alimentos industrializados são potencializados pelo uso da água oxigenada.

Teses de doutorado, dissertações de mestrado, trabalhos e livros confirmam o que a literatura já demonstrou com vários tipos de métodos. Com testes in vivo de carcinogênese química, comprova-se o efeito co-carcinogênico do peróxido de hidrogênio — contido em clareadores dentários, antissépticos e dentifrícios — na mucosa.

Em dissertação de Pieroli, em 1997, o efeito carcinogênico dos clareadores em hamsters foi comparado com o do DMBA, uma droga fabricada apenas para experimentos. Na mucosa, durante 22 semanas, verificou-se que os clareadores sozinhos não foram capazes de iniciar um câncer bucal. Mas, quando aplicados em dias alternados com o DMBA, aumentava o número de animais com câncer e o tamanho das lesões, indicando que o peróxido de hidrogênio não inicia, mas estimula, a proliferação da célula modificada por outro agente carcinógeno. Quanto um químico tem essa propriedade, é chamado de promotor e, na boca, tem grande chance de atuar, pois há muitos iniciadores passando por ela.

Em outra pesquisa, como tese de doutorado, Camargo, em 1999, testou o efeito carcinogênico de dentifrício com peróxido de hidrogênio. De 30 marcas, em 29 dentifrícios foi detectada sua presença, inclusive nas marcas infantis, mas a maioria não informava isso nas embalagens. Nos hamsters, o peróxido no dentifrício mostrou-se igual ao clareador isoladamente aplicado: é promotor da carcinogênese. Os clareadores dentários fazem parte da cultura moderna e devemos evoluir tecnologicamente para reduzir seus efeitos indesejáveis. O clareamento dentário deve ser segura e respeitar a opção consciente dos que não querem realizá-la, informando nas embalagens. O consumidor deve ter a opção de escolher produtos com ou sem peróxido.

Clareamento dentário fora do consultório, ou “caseira”

No consultório, o clareamento dentário tem o mesmo efeito carcinogênico da forma de uso “caseira”? Não. O profissional treinado isola os dentes com uma barreira resinosa cervical, ou de outra forma mecânica ou física, e dificulta o contato direto do clareador com a mucosa. Antes de tirar o clareador com água e remover a barreira resinosa, há uma sucção máxima do clareador. Apenas quando eliminou-se todo o clareador, remove-se a barreira resinosa ou o isolamento. No consultório, a quantidade de clareador em contato com a mucosa é muito pequena e eventual; na escovação, é diária, o mesmo ocorrendo com bochechos de água oxigenada ou uso contínuo de fitas clareadoras.

No clareamento dentário caseira, os riscos são maiores? Sim, pois o paciente, mesmo “orientado” pelo profissional e, por mais adaptada que seja a moldeira de aplicação, deixa o clareador se distribuir pela boca com a saliva. O contato demorado com a mucosa bucal será inevitável e a ingestão parcial contatará outras mucosas gastrintestinais.

A automedicação é muito frequente e se adquire o produto sem qualquer consulta profissional, para usar em casa de forma irregular, sem cuidado. A falta de controle sobre o tempo e a frequência com que se realiza o procedimento caseiro até aumenta o clareamento, mas às custas de efeitos biológicos sobre a mucosa e dentes que não compensam o risco, aliás não mensurável no futuro. Os clareadores devem ser considerados medicamentos e o uso restrito a profissionais da Odontologia devidamente treinados nas requintadas manobras do procedimento. Infelizmente, são vendidos livremente e a população ainda não está devidamente consciente de seus riscos.

Considerações finais sobre bochechos com água oxigenada

Todas as manobras em que se use o peróxido de hidrogênio — conhecido, popularmente, como água oxigenada — na boca, objetivando-se o clareamento dentário, devem ser executadas diretamente pelo profissional da Odontologia treinado para proteger a mucosa bucal, e outras, do contato durante o procedimento. O tempo e a forma de uso requerem cuidados para se proteger ou diminuir ao mínimo os efeitos indesejáveis sobre os tecidos dentários e restaurações.

Um eventual contato com a mucosa bucal, tal como o bochecho com água oxigenada uma vez por ano, ou a cada seis meses, poderia até ter um efeito co-carcinogênico mínimo; mas todos os dias ou semanas, como na antissepsia para se auxiliar na higiene bucal, passa a ser um protocolo muito temerário para a saúde em longo do tempo! Os sitesblogs e perfis em redes sociais que estão indicando isso deveriam ser acionados imediatamente pelas autoridades públicas!

Ao se prestar mais atenção, quando uma pessoa, ao sorrir, exibe gengivas e lábios vermelhos e dentes muito brancos, o diagnóstico de uso excessivo de peróxido de hidrogênio é inevitável. O branco excessivo e o vermelho mucoso geram um quadro muito artificial, do ponto de vista estético!

Fonte: DentalPress

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